Conversamos com Amir Somoggi, diretor da Sports Value, sobre a SAF (Sociedade Anônima do Futebol) do Fluminense.
Qual a sua avaliação sobre a proposta de SAF do Fluminense?
Os clubes estão buscando virar SAF, pois viram que as suas receitas não estão sendo suficientes para competir com as SAFs que já existem, e para que se possa convencer os sócios e torcedores de que elas são bons negócios, fala-se que em tantos anos serão investidos milhões.
O que me incomoda na SAF do Fluminense é que o seu orçamento não deveria fazer parte desse pacote. Como o clube fechou 2024 com uma receita de R$ 684 milhões e tem uma perspectiva de manter esse patamar para 2025, ele pode investir nos próximos 10 anos um valor maior que os R$ 6 bilhões que estão sendo prometidos.
Na minha visão, se o clube sozinho pode gerar R$ 6 bilhões nos próximos 10 anos, então ele deveria buscar R$ 10 bilhões. Se os clubes seguissem essa linha, os investidores teriam mais dificuldades para comprá-los e terem lucro. Diga-se de passagem, é por isso que ninguém compra o Athletico-PR, pois como o clube está avaliado lá em cima, ele não vai ser vendido a preço de banana.
Outro ponto é que é muito fácil falar em números bilionários, quando eles, na verdade, não são bilionários. Isso porque o Fluminense foi avaliado por baixo, e o dinheiro prometido vai sair, muitas vezes, do seu próprio caixa. O Ronaldo fez isso no Cruzeiro. Só com a subida da Série B para a Série A, ele teve o retorno do seu investimento. Como o dinheiro que entrou foi a parte que ele precisava para valorizar o negócio, ele não teve que pôr novos recursos.
A discussão sobre a SAF do Fluminense me parece um pouco turva, mas isso não é culpa do clube, pois como os clubes não têm dono, fica difícil discutir o valuation, tanto que se fala em plano de investimentos, mas para que isso fosse um bom negócio para o Fluminense, esse orçamento teria que ser muito maior que o orçamento tradicional do clube para os próximos 10 anos. 
                                                                 Amir Somoggi 
Uma participação de 66% em uma SAF do Fluminense vale R$ 500 milhões?
Não, não vale. Pelas nossas contas, se o Fluminense vale R$ 2,2 bilhões, 66% do clube valeriam R$ 1,3 bilhão. Detalhe: a nossa avaliação conta com uma limitação de metodologia referente ao imobilizado dos clubes, que, normalmente, estão subavaliados nos seus balanços. Por exemplo, como o estádio do Athletico-PR é novo, ele está melhor registrado no seu balanço, mas como o estádio das Laranjeiras é antigo, ele está subavaliado, portanto não está dentro do valuation do clube, por mais que esteja em um local onde o metro quadrado é caríssimo. É por isso que nós não temos como considerar o valor das Laranjeiras no valuation de R$ 2,2 bilhões do Fluminense. O mesmo vale para Xerém.
Outro detalhe é que o Fluminense possui uma empresa com o Flamengo para administrar o Maracanã, que tem se mostrado extremamente rentável, em particular para o Flamengo. Essa empresa, que permitiu um melhor controle dos custos do Maracanã, vai junto com a SAF do Fluminense.
Dessa forma, pode ser que o Fluminense valha muito mais que o valor de R$ 2,2 bilhões que conseguimos chegar com os números que o próprio clube apresenta, como balanço, elenco e valor da marca. É por isso que o valor ofertado pelo Fluminense me parece muito baixo. Por exemplo, se o Vasco foi avaliado em R$ 1 bilhão pela 777, não dá para dizer que o Fluminense, que hoje possui um momento muito melhor que o do Vasco naquela época, valha quase o mesmo que o Vasco.
Para que você tenha uma ideia das nossas avaliações, eu participei de uma live com o antigo presidente do Flamengo em que ele, sem eu dizer absolutamente nada, disse que o clube valia, aproximadamente, R$ 4,9 bilhões, praticamente o mesmo valor da nossa avaliação.
O Fluminense precisa discutir esse valor, pois quanto mais alto for o valuation, mais dinheiro os investidores terão que colocar no clube. Como quem decide o valor da negociação é o vendedor, e não o comprador, me parece que o presidente do clube não está defendendo os interesses do clube, e sim o cargo de CEO que ele vai ocupar na nova SAF.
O valor do Fluminense em 2025 vai ser influenciado pelas campanhas na Copa do Mundo de Clubes, Copa do Brasil e Sulamericana?
Eu acredito que a marca do Fluminense se valorizou com a Copa do Mundo de Clubes. Tem também a questão do elenco, que vale mais hoje do que em 2024, sem contar que se o Fluminense for campeão da Copa do Brasil, possivelmente o elenco se valorizará ainda mais. Dessa forma, me parece que o valuation de 2025 vai ser maior que o valuation de 2024, quando calculamos o valor do Fluminense em R$ 2,2 bilhões.
Segundo os investidores, o “Valor da Transação” é estimado em R$ 6.912.000.000,00 e é composto pela soma do capital a ser aportado pelo Investidor na S.A.F., mais o montante de investimentos previstos para serem realizados no plano de negócios da S.A.F., nos primeiros 10 (dez) anos da S.A.F.. O problema é que, tirando os R$ 500 milhões, o restante do valor será investido com os recursos gerados pelo próprio caixa do clube, que, naturalmente, já faz investimentos todos os anos. Qual a sua avaliação sobre essa lógica?
Nos últimos 5 anos, o Fluminense teve uma receita total de R$ 2 bilhões, sendo que nos últimos 3 anos, a receita total foi de 1,5 bilhão, o que dá uma receita anual média de R$ 500 milhões. Apenas em 2024, essa receita foi de R$ 684 milhões. Ou seja, o clube está vivendo o melhor momento financeiro da sua história, já que o Fluminense nunca havia tido um crescimento de receita como o ocorrido no ano passado.
Se eu considerar uma receita média de R$ 500 milhões para os próximos 10 anos, o Fluminense já teria R$ 5 bilhões garantidos. Como o valor de R$ 500 milhões é a receita normal do ano seguinte, esse valor é irrisório pelo Fluminense. É por isso que, na minha opinião, o Fluminense não está fazendo um bom negócio, ao contrário do que estão fazendo os investidores. Isso porque, quanto mais barato os investidores pagarem no início, maiores serão os seus lucros quando eles venderem suas participações no futuro, da mesma forma como aconteceu com o Ronaldo no Cruzeiro.
Quem garante que os investidores do Fluminense, que querem comprar um ativo subavaliado, não vão vender suas participações daqui a 5 anos com um lucro milionário? É por isso que a discussão deveria ser sobre quanto vale o Fluminense, já que os investidores precisam abrir seus caixas para fazer frente a um clube que, na pior das hipóteses, deve faturar R$ 500 milhões por ano nos próximos 10 anos.
Qual a sua avaliação sobre a organização societária da SAF do Fluminense, caso ela seja aprovada?
Essa é uma questão interessante, pois, normalmente, os clubes ficam, por lei, com 10% das SAFs para que tenham respaldo sobre a marca, suas cores, símbolos e hino. Esse respaldo acaba sendo mais de conduta do que de governança. No caso do Fluminense, se os investidores ficarem com 66% e o clube com 34%, isso aumenta o poder do minoritário.
Aqui é preciso analisar o modelo de governança que vai ser adotado para que o clube tenha voz ativa em decisões estratégicas como contratações ou a construção de um estádio, mas independente dos valores envolvidos, se o modelo da SAF do Fluminense funcionar, ele pode ser um novo caminho para que os clubes não vendam 90% das suas SAFs.
Na nossa última entrevista, você elogiou a estrutura societária do Bayern de Munique. Qual a sua avaliação sobre a estrutura societária proposta para a SAF do Fluminense, com um fundo composto por investidores que dizem torcer para o clube?
O que eu gosto no modelo do Bayern de Munique é que o clube não está interessado no investimento de um fundo ou de um banco, mas no investimento de empresas que investem no clube como uma corporação. No Bayern, a Audi, Adidas e Allianz, todas com participações de 8,33%, não têm interesse em administrar o clube, contratar jogadores ou investir em marketing. Quem faz isso é a administração. Esse modelo, que é bem diferente do modelo que está sendo proposto no Fluminense, seria ideal para o clube, mas, infelizmente, ele não vai acontecer no Brasil.
Outro aspecto é que o BTG, um dos maiores bancos do Brasil, está por trás da negociação da SAF do Fluminense. O banco tem liquidez e solidez, mas é conhecido por ter um modus operandi que subavalia os ativos para aumentar a rentabilidade dos investidores. Como o Fluminense tem um potencial enorme de crescimento em várias questões, além de possuir Xerém e uma torcida de alta renda e de dimensão nacional, que embora não seja uma das maiores, possui um alto potencial de consumo, o clube vai ser vendido de graça pelo valor que está sendo proposto.
Considerando a nossa conversa, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Existe a questão da dívida do Fluminense. Essa dívida, composta por débitos trabalhistas e fiscais, principalmente Profut, pode ser deixada no clube social para ser abatida com as receitas da SAF. Veja que o Flamengo investe em jogadores, mas todos os meses paga o Profut, pois não é preciso ter pressa para zerá-lo. Enquanto a dívida operacional do Fluminense é pequena, as dívidas trabalhistas e fiscais, que são as maiores, podem ser resolvidas, paulatinamente, nos próximos anos.
O Vasco cometeu o erro de levar toda a sua dívida para a SAF, quando o clube social poderia abatê-la com calma até o momento em que fosse zerada. No caso do Fluminense, aparentemente, para que se possa diminuir ainda mais o aporte, a dívida será jogada dentro da SAF.
Os investidores querem pegar o dinheiro para zerar a dívida do dia para a noite, quando poderiam pagá-la ao longo dos próximos anos até zerá-la. Se isso fosse feito, o Fluminense poderia ser avaliado em um valor mais próximo da sua realidade.
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